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CLAMANDO NO DESERTO

Publicado pela ABTLP

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Caiu-me às mãos, há poucos dias, um artigo que escrevi há mais de 17 anos, publicado no “Informe SINDICARGA” de julho de 1998. O amigo Fernando Henderson encontrou-o em seus guardados e teve a gentileza de me entregar, durante a última Fenatran.

O seu título era: “O alto preço da incompetência”. Tinha duas epígrafes em latim (ainda não me tinha livrado dos cacoetes da advocacia). Mas o que me despertou a atenção foi uma observação manuscrita, lançada pelo pai do Fernando, com uma letra caprichada, logo abaixo do meu nome: “clamando no deserto!”, escreveu ele – assim mesmo, com ponto de exclamação e tudo.

Provocado por esta glosa fui reler o que tinha escrito há tanto tempo. Tinha razão o senhor Fernando, pai. Tanto é verdade que clamei no deserto, que quase todas as mazelas que eu denunciava em 1998 continuam irritantemente atuais.

O texto original era muito longo (defeito, aliás, do qual ainda não me livrei). Seguem alguns trechos que dão uma idéia do seu conteúdo:

(…) pesquisa promovida pela ‘International Road Tansport Union (IRU)’ em cinco países da Europa (Reino Unido, França, Itália, República Tcheca e Polônia) – editada sob o título ‘Economic Cost of Barriers to Road Transport’ concluiu que cerca de 50% dos custos aparentes de transporte (isto é, daqueles que normalmente são atribuídos a esta atividade) decorrem, na verdade, de fatores externos, tais como: congestionamento de trânsito, atrasos nas fronteiras, restrições de tráfego em fins de semana e à noite, retenções provocadas pelos expedidores, greves etc. (…)

No seu conjunto, esses fatores chegam a dobrar os custos reais do transporte, no universo abrangido pelo estudo, por conta de deficiências estruturais, que, na maior parte dos casos, são de responsabilidade do Poder Público.

No Brasil, jamais se fez uma pesquisa desta natureza, mas, se fosse feita, revelaria um quadro muito mais grave, principalmente nas grandes cidades, em que a ação do Poder Público, neste particular, tem sido marcada por inacreditável miopia (…)

A mesma municipalidade que não demonstra nenhuma aptidão para exercer o papel que lhe cabe de prover, planejar e fiscalizar o uso do espaço urbano – ao autorizar, por exemplo, o funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais ou de prestação de serviços em locais de trânsito já saturado ou de difícil acesso por veículos pesados – sente-se muito à vontade para criar regras restritivas ao tráfego desses veículos (…)

Há falhas grosseiras do Poder Público que, ao invés de procurar corrigi-las, opta sempre pelo caminho mais fácil, impondo restrições ao trânsito de caminhões ou às operações de carga e descarga em determinados locais e horários (…)

É curioso constatar a relação paranoica, de amor e ódio, que as nossas autoridades têm com o automóvel. De um lado, envolvem-se em acirrada guerra fiscal para atrair as montadoras de veículos. Em breve, quase todas estarão instaladas aqui. De outro, demonstram inesgotável criatividade no sentido de penalizar o produto que sai dessas fábricas, que elas tanto lutaram para atrair.

É como se o tempo não tivesse passado. Eu poderia ter simplesmente copiado aquele texto. E teria o meu artigo desta semana, sem precisar inventar nada de novo.

No tocante ao último parágrafo acima transcrito, acertei na mosca: quase todas já estão aqui. Temos, hoje, em nosso país 31 montadoras (10 de caminhões), com 64 plantas em 10 Estados e 52 Municípios. O Brasil é o 7º produtor mundial e o 4º mercado interno. Tudo conforme o “Anuário da Indústria Automobilística Brasileira – 2015”, da ANFAVEA.

Não obstante, automóveis e caminhões continuam a ser mal falados, discriminados e perseguidos, como se não tivessem entrado aqui pela porta da frente, sob aplausos da sociedade e das autoridades constituídas.

Precisamos acabar com a hipocrisia (ou seria esquizofrenia?). A sociedade e a economia contemporâneas não vivem sem essas máquinas. Os males advindos do seu uso são frutos, antes de tudo, da nossa total incapacidade de dotar o país e as grandes cidades de regras e instrumentos eficazes de controle e convívio harmonioso com os veículos automotores.

Antes de inventar mais restrições ao tráfego de caminhões e de coalhar as cidades de radares (ainda que estes sejam necessários para dar eficácia às leis de trânsito), as municipalidades e regiões metropolitanas deveriam implantar redes de semáforos inteligentes, que dão fluidez muito maior às correntes de tráfego. E desenvolverem aplicativos que tornem o transporte público por ônibus mais moderno e mais atraente às classes média e alta, estimulando os seus integrantes a só tirar os automóveis de suas garagens em situações especiais; nunca para seus deslocamentos rotineiros.

O trânsito em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em outras capitais, bem como nas grandes cidades do Interior, não se torna caótico porque têm caminhões, ônibus ou carros de passeio demais, nem porque a malha de vias públicas é muito menor do que deveria ser.

Não faltam ruas, nem recursos (só os provenientes das multas de trânsito, se não forem desperdiçados com empreguismo e outras bobagens, são suficientes para promover uma pequena revolução tecnológica na infraestrutura de trânsito das grandes cidades). O que tem faltado, de verdade, em quase todas as grandes cidades, é competência e comprometimento dos gestores municipais, para oferecerem a seus munícipes, cidades mais humanas e com menos obstáculos à mobilidade, em todas as suas dimensões.

Os mesmo se diga dos gestores estaduais e federais, que, há décadas, devem à sociedade medidas concretas que induzam a modernização da frota, como, só a título de exemplo, a inspeção de segurança veicular e o IPVA progressivo, a partir de uma certa idade, ao invés de decrescente como é hoje, tendendo à isenção após 15 ou 20 anos, conforme a unidade da Federação.

No tocante ao TRC devem, desde sempre, uma regulação eficaz para a atividade.

Se não for incompetência, é falta de coragem política, o que, para efeitos práticos, dá no mesmo.

Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.

Fonte: NTC&Logística

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