Informativos ABTLP

O transporte rodoviário na luta contra o coronavírus

Publicado pela ABTLP

Entrevista com José Maria Gomes, presidente da Associação Brasileira do Transporte e Logística de Produtos Perigosos

Risco latente

Edição: maio de 2020

O presidente da ABTLP, José Maria Gomes, reconhece que atividade foi pouco afetada pela crise. Mas, admite a necessidade de ajuda ao setor, para atender questões trabalhistas, econômicas e tributárias.

Como representante de um seleto grupo empresas, reunidas em torno da Associação Brasileira do Transporte e Logística de Produtos Perigosos, o presidente da entidade, José Maria Gomes, reconhece que o setor foi pouco afetado pela paralisação da economia, provocada pela pandemia do coronavírus. O motivo é o fato de transportar insumos essenciais para a indústria de higiene domiciliar, entre outros, cuja produção não foi interrompida, para atender a população em isolamento social. Mesmo assim, Gomes admite que a atividade precisa de atenção, por estar sujeita aos mesmos problemas que afetam as empresas de outras especialidades, seja de ordem trabalhista, tributária ou econômica. Para tanto, ele aposta na aprovação dos pleitos encaminhados pela CNT ao governo federal. E na retomada da atividade econômica no menor prazo possível, única forma de evitar que as empresas entrem em colapso.

FROTA&CIA – Como você resume o impacto da pandemia do coronavírus no transporte rodoviário de produtos perigosos?
José Maria Gomes – O impacto, na verdade, tem dois momentos. O primeiro, que pegou os combustíveis com muita força. Ou seja, teve uma queda muita abrupta nas primeiras duas semanas, que chegou a 70% em média. Já os produtos químicos estão desacelerando. Tiveram, no início, uma atividade normal, porque você tem muitos insumos que estão atrelados a produtos associados ao combate do coronavírus. São produtos de limpeza, de higiene domiciliar, etc que tiveram uma demanda até maio, porque havia a necessidade de formar estoques, para poder atender todo o tempo que essa pandemia deve demorar.

FROTA&CIA – O que diferencia essa crise das demais que o setor e o país já enfrentaram no passado?
José Maria Gomes – Eu posso falar de duas crises recentes. Nós tivemos a crise que foi o final do governo Dilma, que permitiu às empresas fazer um certo planejamento e tomar ações preventivas antes de chegarem nela. Já a crise do coronavírus pegou todo mundo de surpresa. Desta vez houve uma ruptura e ninguém pode se planejar. Então, todos estão sendo obrigados a mitigar os seus efeitos dentro do processo que estamos vivendo.

FROTA&CIA – A pesquisa da NTC&Logística revelou que o segmento vinha apresentando melhoras, mas caiu de 14% para 31% na ultima semana. O que isso explica essa queda?
José Maria Gomes – Sim. Isso mostra que o segmento está ativo, mas está desacelerando, na medida em que os estoques da indústria vão se normalizando. Leve em conta que o segmento é multifacetado. Além de servir à indústria de produtos de higiene nós fazemos o transporte de insumos para o agronegócio, para a colheita da cana, por exemplo, que não pode esperar. Teve também outras coincidências, como o gás de cozinha, que teve um problema de desabastecimento, junto com uma importação rápida que provocou um pico de transporte. Tudo isso soma, no conjunto de produtos perigosos, uma queda menor na demanda. Porém, se a indústria não retomar a atividade, é certo que a demanda por transporte irá declinar.

FROTA&CIA – Quais são os principais entraves à atividade, nos dias atuais?
José Maria Gomes – São vários, mas eu vou citar alguns. Nós temos sempre de cuidar fortemente do nosso contingente de funcionários e colaboradores, para que não se perca a força de trabalho. Mesmo assim, existem fatores que você não controla e não percebe. Se um familiar adoece você tem de afastar o funcionário porque ele pode estar no grupo de risco ou até contaminado. Assim, nós temos perdido forças de trabalho. Além disso, você tem todo o grupo de risco que é esse pessoal que está fora do dia-a-dia, principalmente motoristas. Nós temos hoje um contingente de motoristas com idade acima de 60 anos bastante razoável. Tem empresas que chega a representar 15% do quadro. Um outro entrave é econômico. Se não retomarmos a atividade econômica isso certamente vai ter um impacto no nosso setor.

FROTA&CIA – Quantas empresas compõem a ABTLP e como tem sido a atuação da entidade, junto aos associados, desde o início da quarentena?
José Maria Gomes – Nós somos uma entidade de nicho, portanto não temos um grande número de associados. Hoje são 80 sócios no quadro, que operam cerca de 25 mil equipamentos. Desde o início da pandemia, fizemos inúmeras ações junto aos associados. Primeiro fizemos uma pesquisa para saber o que os embarcadores estavam fazendo para proteger os nossos colaboradores, nos locais de carga e descarga. Depois, cuidamos de dar aos motoristas o kit básico para eles se protegerem, como álcool gel, máscaras, luvas etc. Também alinhamos nossas ações com as entidades do setor, porque alguns problemas são comuns. E participamos de todos os foros da seção II da CNT, para levar as reinvindicações de nossos associados.

FROTA&CIA – Que reinvindicações?
José Maria Gomes – Temos problemas trabalhistas, problemas de capital de giro, da suspensão dos tributos. E, ainda, relacionados aos financiamentos, especialmente o Finame, que pleiteamos que sejam suspensos e as mensalidades jogadas no final do contrato. Tudo isso está sendo canalizado através da Confederação Nacional (CNT), para ser tratado junto ao Ministro da Fazenda. Estamos solicitando também que a atividade seja considerada como serviço essencial, para ter acesso a benefícios. Por exemplo, o governo disponibilizou uma linha de crédito para empresas que faturam até R$ 10 milhões. Para o setor isso é pouco, porque buscamos contemplar empresas que faturam até R$ 300 milhões. Além disso, o dinheiro prometido não está chegando, porque os bancos não querem correr o risco. Agora, finalmente, parece que o governo vai responder por 75% do risco. Então vamos ver se esse dinheiro, agora, consegue a chegar nas pontas.

FROTA&CIA – Como a entidade avalia as medidas anunciadas pelo governo, para ajudar empresas e trabalhadores no enfrentamento da crise?
José Maria Gomes – De eficácia eu acho só a Medida Provisória 936 que as empresas poderão de fato implementar. Com relação às medidas de tributos, financiamentos eu acho que as empresas vão ter muita dificuldade porque o governo não está fazendo suspensão e, sim, uma postergação. Então, vai ter um momento em que você terá de pagar dois tributos. Mas, se a economia não retomar com força, como certamente não vai acontecer, muitas empresas vão ter muitos problemas. Se não for atendido o equacionamento que estamos buscando, no sentido de contar com uma carência de 12 meses mais o parcelamento do débito de forma possível de ser pago.

FROTA&CIA – O que muda na rotina das empresas, depois da quarentena?
José Maria Gomes – E entendo que a mudança pode ter vários viés. Eu acho que vai haver uma digitalização maior, que vai mudar a rotina das empresas. Isso, hoje, já está sendo muito perseguido. Reuniões de entidade, por exemplo, estão sendo realizadas de forma digital e com bastante eficácia. Com relação à saúde, eu acho que teremos de manter os mesmos cuidados que temos hoje porque, enquanto não houver uma vacina, estaremos expostos ao vírus. Com relação ao mercado, isso ainda é uma incógnita porque ninguém sabe como será depois da pandemia. Eu tenho uma expectativa, associado ao problema da concentração de produção em um único país, que é uma realidade que deve mudar e, por consequência, vai demandar mais transporte de mercadorias.

FROTA&CIA – Sem contar o trabalho em home office que você não comentou, mas deve se incorporar na vida das empresas daqui para a frente, não acha?
José Maria Gomes – E entendo que, com certeza, isso vai entrar definitivamente no dia-a- -dia das organizações. Quanto vai ser ou deixar de ser, nós vamos vivenciar depois. Porque cada organização tem a sua realidade e pode demandar mais ou menos gente em home office. É certo que vai existir um novo home office quando a pandemia do coronavirus passar.

FROTA&CIA – Que lições os empresários de transporte vão tirar dessa crise?
José Maria Gomes – E diria que a maioria deles ainda não sabe direito, porque ainda está correndo atrás de como aliviar os impactos da crise. O transporte de produtos perigosos, por exemplo, pode não ter perdido muito em volume, mas não significa que não irá perder rentabilidade. Porque os clientes já estão correndo atrás para reajustar os seus preços e aumentar seus prazos de pagamento. Ainda estamos sentindo os impactos e os efeitos da crise mais aguda da pandemia. Agora, com certeza, virão várias lições. Uma crise tão aguda e impactante como essa, nenhum empresário viveu. Então, nós teremos lições e reflexões que não serão pequenas, mas eu não saberia mensurar hoje quais seriam elas.

Fonte: Frota&Cia

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