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UMA DATA MUITO ESPECIAL

Publicado pela ABTLP

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No último dia 17 de setembro, “Dia Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas”, a nossa NTC&Logística completou 52 anos de existência. Há quem pense que isso é coincidência. Não é. Trata-se, isso sim, de uma justa homenagem. O “Dia Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas” foi criado por Decreto de 9/7/93, do então presidente da República Itamar Franco, reverenciando a data de fundação da NTC, ocorrida em 17 de setembro de 1963.

Há muito simbolismo neste gesto. É claro que a existência do Transporte Rodoviário de Cargas em nosso país antecede, em muito, a criação daquela entidade nacional. Tanto que há alguns sindicatos da categoria muito mais antigos que a NTC. Mas esses sindicatos eram, na sua origem, manifestações locais, reunindo os ancestrais dos atuais transportadores. Em alguns casos, como o de Santos, eram carroceiros, identificados, gentilmente, como “proprietários de veículos de carga”. Fenômeno parecido ocorreu no Rio de Janeiro. Em ambos os casos, o polo aglutinador da atividade era o porto. Estou falando dos anos 20 e 30 do século passado. Em grande parte, as cargas para exportação e importação chegavam ao porto e partiam dele através de ferrovias ou mesmo da navegação de cabotagem. Veículos pequenos, de tração animal ou não, faziam apenas o transporte local, no caso do Rio, ou no máximo até São Paulo, no caso do porto de Santos.

Já durante a 2ª Guerra Mundial há notícias do surgimento de algumas empresas de transporte, operando caminhões importados, que começavam a dar “tiros” mais longos, enfrentando o lamaçal das estradas de então, que eram pouco mais que adaptações, ligeiramente melhoradas, das antigas trilhas dos tropeiros. O DNER e o Fundo Rodoviário Nacional, responsáveis pela implantação das nossas malha rodoviária básica, foram criados em 1937 e 1945, respectivamente.

A atividade desses pioneiros do transporte rodoviário, propriamente dito, acabou recebendo um impulso inesperado pela ação dos submarinos alemães que passaram a atacar e afundar navios mercantes na costa brasileira, tornando a navegação de cabotagem muito insegura. De uma hora para outra, uma grande quantidade de cargas teve de passar a ser transportada por terra para as diversas regiões do país. Como as ferrovias eram limitadas a alguns eixos mais importantes, só caminhões poderiam dar conta do novo desafio. Começaram a surgir as primeiras empresas de transporte de longa distância. Mas, registre-se, eram poucas as empresas, muito pequena a frota de caminhões e as distâncias não eram tão longas assim…

Após o final da Grande Guerra, o Brasil viveu momentos turbulentos, com o fim da ditadura Vargas, a democratização trazida pela Constituição de 46, os governos Dutra e Getúlio, o suicídio de Vargas em 1954, as interinidades de Café Filho (vice-presidente) e Carlos Luz (presidente da Câmara), apeados do poder em poucos dias, e de Nereu Ramos (presidente do Senado). Este conseguiu completar o período presidencial e passar o comando do país ao presidente eleito em 1955, Juscelino Kubistchek, que governou até 1961.

O governo JK foi dos mais tranquilos do ponto de vista político – apesar de alguns focos de conspiração militar, logo debelados pela habilidade do presidente – e extremamente progressista no plano econômico.

Uma das características desse período foi a industrialização acelerada, inclusive com a implantação do polo automobilístico, a transferência da capital para Brasília e a construção de novas rodovias que preparavam o país para tomar conta efetivamente do seu vasto território e para estender as fronteiras agrícolas para o centro-oeste e o norte, o que acabou se concretizando algumas décadas depois.

Com este pano de fundo, o transporte rodoviário de cargas deu também grandes saltos. Empresas de transporte surgidas durante a Guerra cresceram, outras se constituíram e passaram a cortar o território nacional em todas as direções.

Em 1958, no Rio de Janeiro, alguns desses empresários começam a conversar sobre os inúmeros problemas enfrentados por aqueles que se aventuravam numa atividade econômica que ainda mal se delineava, que não tinha regras claras e que não oferecia a menor segurança jurídica a seus operadores.

As primeiras conversas entre Orlando Monteiro e Edgar Fazenda – dois dos principais empresários do setor da época – giravam em torno da necessidade de uma melhor definição da responsabilidade civil do transportador por danos causados a carga e a terceiros, de um seguro que oferecesse alguma tranquilidade aos transportadores e de uma tabela referencial de fretes, que pudesse orientar minimamente o mercado. Pouco tempo depois se juntaria a eles o empresário Wander Soares, que teve também grande importância nesses primeiros tempos de organização do setor.

Cargas de alto valor agregado passavam a fazer parte do dia a dia da atividade, o que exigia cuidados extraordinários para garantir a incolumidade e integridade delas. Sem que ninguém os ensinasse, aqueles pioneiros foram aprendendo a fazer “gerenciamento de risco”, muito antes de esta expressão ser inventada. Por causa disso, saltava aos olhos a necessidade de um componente do frete que variasse de acordo o valor da mercadoria transportada e o tempo em que ela ficava sob a responsabilidade do transportador.

Começava a surgir o “ad valorem”, mais tarde rebatizado de “frete valor”, a ser cobrado juntamente com o “frete peso”, que variava de acordo com o peso da carga e a distância a ser percorrida por ela. Na verdade, esboçavam-se, nessas conversas de fim de tarde, na empresa de um ou de outro, os conceitos que mais tarde, já sob a coordenação da NTC, estruturariam o “sistema tarifário do TRC”.

Aos poucos, outros empresários iam sendo procurados para se integrar àquele grupo informal de discussões. Não tardou a surgir a ideia de um grande encontro de todas as empresas que, na ocasião, tinham alguma expressão no mercado de transporte dos diversos tipos de carga. E assim nasceu o 1º Congresso Nacional do TRC, realizado em 1960, em São Paulo, por aquele grupo que era, originalmente, carioca e fluminense, mas que já começava a demonstrar a sua vocação para agregar transportadores de todas as regiões, uma vez que eram, eles próprios, empresários que estendiam as suas operações para regiões cada vez mais distantes e não se sentiam submetidos aos limites das unidades federativas.

Eles eram, cada vez mais, empresários de atuação nacional, ou no mínimo interestadual. Valorizavam as poucas entidades locais existentes e atuantes, como os Sindicatos de São Paulo e do Rio de Janeiro, SETCESP e SINDICARGA, este o mais antigo do Brasil, fundado em 1933. Mas percebiam que, se eles podiam enfrentar muito bem as questões locais ou regionais, não davam conta dos inúmeros problemas de caráter nacional, que exigiam uma entidade com igual abrangência de atuação.

Uma evidência de que aquele núcleo de idealistas não pretendia hostilizar os poucos sindicatos então existentes, nem era hostilizado por eles, é que o 1º Congresso, de 1960, teve todo o apoio do SETCESP. E dele resultaram várias propostas, relacionadas aos temas já referidos anteriormente. Uma, em especial, iria mudar a história do setor em nosso país: a de que fosse criada, com a possível urgência, uma entidade nacional que pudesse aglutinar o TRC em todo o país e se incumbir da execução da alentada pauta resultante daquele conclave.

Não foi tarefa fácil. Exceto por aquele pequeno grupo do Rio de Janeiro e pelos que já frequentavam os sindicatos, os empresários do setor, em regra, não se conheciam, nem queriam se conhecer. O mercado era tão selvagem, eram tantas as histórias de disputas ferozes pelos clientes, que reunir aqueles competidores em torno de alguns objetivos comuns era tarefa que exigia muita paciência e diplomacia.

Havia também a questão regional. Brasília tinha sido inaugurada recentemente. Alguns defendiam que a sede da nova entidade deveria ser na nova Capital; outros naturalmente queriam que ela fosse no Rio de Janeiro, onde tudo havia começado; outros ainda, realisticamente, optavam por sediá-la em São Paulo, principal mercado de origem e destino das cargas e onde se concentrava também a maioria das empresas.

Prevaleceu finalmente esta última corrente, com o que, superados também outras questões menores, chegou-se, em 17 de setembro de 1963, à constituição formal da então denominada “Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga”, que também se identificava pela improvável sigla “NTC” (e não ANTC, como seria óbvio). Nunca consegui ter uma explicação cabal para isso, mas há várias hipóteses interessantes, sobre as quais espero poder me estender em outra oportunidade.

A escolha do primeiro presidente foi natural, tendo recaído na pessoa de Orlando Monteiro, que, na prática, já vinha conduzindo toda a movimentação do setor em nível nacional, a partir daquelas primeiras conversas no Rio, em 1958.

O que aconteceu a partir da fundação e do início de funcionamento efetivo da NTC é coisa que não se pode relatar num modesto artigo como este. Tenho esperança de um dia poder escrever esta história ou, pelo menos, descrever os seus “melhores momentos”, com direito ao relato de detalhes interessantíssimos dessa epopeia.

Nesta oportunidade, o que me moveu foi apenas justificar o fato de o “Dia Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas” ser comemorado em 17 de setembro, em homenagem à data de fundação da NTC.

Como vimos, o transporte rodoviário de cargas, obviamente, já existia antes da NTC. Já existia a atividade econômica; já existiam muitas empresas que se dedicavam a ela; já existiam até algumas (poucas) entidades que a representavam em certas cidades ou regiões. O que nasceu com a NTC, a justificar aquela homenagem, foi a descoberta, pelos próprios empresários, do sentido e da importância do que faziam; foi o reconhecimento de pertencer a um setor, em nível nacional; foi o começo de uma sucessão de avanços extraordinários, que nós mesmos nos esquecemos de comemorar com a ênfase merecida.

Achei que era minha obrigação fazer este relato, não só porque tenho percebido que, nos últimos anos, esta data vem sendo cada vez menos festejada, como também para lembrar a alguns grupos ou segmentos de transporte que, de vez em quando, acordam de seu sono letárgico e resolvem reinventar a roda, que a nossa roda já foi inventada há 52 anos. E que, se ainda falta muito coisa a ser resolvida (e realmente falta, a despeito do muito que já se fez), certamente não será criando estruturas paralelas e duplicando custos e esforços, que se vai acelerar o encontro daquelas soluções.

Ao contrário, isso é de um primarismo desalentador, porque, além de enfraquecer o setor, gera cacofonia na sua interlocução com os poderes constituídos e atrasa a solução dos seus problemas.

Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.