O Brasil perdeu 22% dos motoristas de caminhão nos últimos dez anos. Segundo dados da Senatran analisados pela consultoria de logística ILOS, o país contava com 5,6 milhões de condutores habilitados nas categorias C e E em 2015, número que caiu para 4,4 milhões em 2025.
Uma pesquisa nacional da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), realizada em 2024 pela AGP Pesquisas, revela que o caminhoneiro típico brasileiro é homem (99%), tem 46 anos, está há 17 anos na profissão e trabalha, em média, 12 horas por dia. Mais da metade (54%) pretende deixar a estrada, e apenas 46% querem continuar.
“Quase metade dos caminhoneiros acredita que nunca há, por parte do governo federal, ações de fato para incentivar a categoria a permanecer na estrada”, afirmou o assessor da CNTA Alan Medeiros durante audiência pública na Câmara dos Deputados. “Os profissionais estão envelhecendo, a média é de 46 anos, e os jovens são poucos. Qual vai ser o futuro do transporte rodoviário de cargas no nosso país?”
O envelhecimento é visível: em 2014, a idade média dos caminhoneiros era de 38 anos; hoje, é de 46 anos, um aumento de oito anos em uma década, segundo a própria CNTA.
A desvalorização salarial agrava o desinteresse pela profissão. Entre os motoristas contratados via CLT, metade recebe entre R$ 2.562 e R$ 4.020, enquanto apenas 10% ganham mais de R$ 5.136, de acordo com a ILOS. A mediana salarial é de R$ 3.120, praticamente estagnada nos últimos anos.
Os autônomos enfrentam realidade semelhante. Segundo a pesquisa da CNTA, trabalham 12 horas diárias e recebem, em média, R$ 39,50 por hora, o que representa uma renda bruta de cerca de R$ 10 mil por mês, valor que diminui significativamente após custos com combustível, pedágio e manutenção.
Além das longas jornadas, muitos relatam falta de segurança nas estradas, ausência de pontos de descanso e baixa valorização da categoria.
Estradas paradas no tempo
Enquanto os caminhoneiros deixam a estrada, a frota de caminhões cresce. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), o Brasil passou de 5,3 milhões de caminhões em 2015 para 8 milhões em 2025, um aumento de 50%, mesmo com a queda no número de profissionais. O que poderia indicar que não habilitados, ou profissionais que perderam o documento, seguem conduzindo.
Nesse mesmo período, o país praticamente não avançou na pavimentação de rodovias: de 211,1 mil km em 2015 para 216,9 mil km em 2025, o que representa apenas 12,6% da malha total de 1,7 milhão de quilômetros.
Mesmo com tudo piorando, ou melhorando muito pouco, a dependência do transporte rodoviário aumentou de 61,1% para 64,8% das cargas movimentadas no país.
“O Brasil vem batendo recorde atrás de recorde na produção de grãos, mas não vem acontecendo o mesmo com a expansão dos profissionais da categoria de transporte”, alerta o superintendente da ANTT, José Amaral Filho.
A defasagem estrutural se reflete no risco crescente de acidentes: caminhões estão envolvidos em mais da metade dos acidentes com vítimas fatais nas rodovias federais, segundo dados do IPTC (2024).
Drogas, fadiga e exame toxicológico
A pesquisa da CNTA revelou ainda que um em cada quatro caminhoneiros (25%) admite ter usado rebites ou outras substâncias para aguentar longas jornadas – número que especialistas acreditam ser subestimado, dado o constrangimento em admitir o uso.
Foi nesse contexto que, em 2016, entrou em vigor o exame toxicológico obrigatório para condutores das categorias C, D e E. Para o observatório SOS Estradas, esse é um ponto importante, pois coincide com o início da curva de queda no número de habilitados.
Entre 2011 e 2015, o número de motoristas profissionais (incluindo caminhões e ônibus) cresceu ano a ano, chegando a mais de 13 milhões. Em 2016, começa a queda, até o cenário atual.
“Em 2016, quando o exame começou a valer, vários Detrans entraram com liminares para suspender a aplicação. Foi a primeira e única política de combate ao uso de drogas entre motoristas profissionais no Brasil, e ainda assim tentaram barrar. A partir de 2017, as liminares caíram e o exame voltou a valer, revelando um problema muito mais grave do que se imaginava”, afirma Rodolfo Rizzotto, fundador da entidade SOS Estradas.
Segundo ele, o exame mostrou a ponta de um iceberg. Hoje, 2,5 milhões de condutores estão com o exame toxicológico vencido, e em muitos estados os Detrans não aplicam as penalidades previstas.
“É como permitir que alguém dirija uma arma de destruição em massa sem controle. Há uma omissão generalizada dos órgãos estaduais”, critica Rizzotto.
Os dados da SOS Estradas apontam que a cocaína aparece em 90% dos testes positivos, e que o número de autuações mensais por exame vencido é “irrisório” diante do universo de profissionais.
Soluções pontuais
Apesar do cenário preocupante, há esforços pontuais para tentar reverter a escassez. Empresas de transporte e cooperativas têm criado programas de capacitação para atrair jovens motoristas e melhorar a qualificação profissional.
Segundo o sócio-diretor da Ilos, Maurício Lima, o setor também busca incentivar o ingresso de mulheres e oferecer condições mais seguras e tecnológicas nas estradas, como caminhões automatizados e plataformas de frete digital, que reduzem a dependência de intermediários e ajudam a aumentar a renda dos autônomos.
O governo federal também reconhece o problema e afirma ter algumas iniciativas em curso. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) cita a ampliação dos pontos de parada e descanso nas rodovias federais – hoje são 94 locais credenciados, número ainda considerado insuficiente.
O Ministério dos Transportes também promete linhas de crédito subsidiado para renovação da frota e programas de capacitação em parceria com o Sest/Senat, voltados principalmente para jovens motoristas e inclusão de mulheres na profissão.
Risco de apagão logístico
O país depende cada vez mais do modal rodoviário, mas tem menos caminhoneiros e piores estradas. Com profissionais envelhecendo, salários baixos, longas jornadas e omissão na fiscalização, o transporte de cargas no Brasil vive uma crise. Se nada for feito, pode se transformar em um apagão logístico.
“A recomendação é não esperar o apagão no transporte para olhar para a situação dos caminhoneiros autônomos”, alertou Norival de Almeida Silva, presidente da Fetrabens.
Fonte: UOL | Imagem: Valter Campanato/Arquivo Agência Brasil

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