Enquanto parte dos especialistas considera a proposta tecnicamente frágil, outros defendem o exame como uma importante política pública de prevenção.
A recente aprovação do Projeto de Lei 3965/21 pela Câmara dos Deputados, que amplia a exigência do exame toxicológico para candidatos à primeira habilitação das categorias A e B, reacendeu o debate sobre a efetividade da medida na segurança viária. Enquanto parte dos especialistas considera a proposta tecnicamente frágil e de pouco impacto prático, outros defendem o exame como uma importante política pública de prevenção, especialmente diante do aumento do uso recreativo de substâncias psicoativas.
Para o professor e especialista em segurança viária, Dr. David Duarte Lima, a obrigatoriedade do exame toxicológico nesse contexto representa uma distorção de finalidade.
“O exame é feito antes da pessoa ter autorização para dirigir. Ou seja, ele apenas comprova que, nos três meses anteriores, o candidato não utilizou substâncias ilícitas — justamente num período em que ele ainda não estava dirigindo. Isso não tem impacto nenhum na segurança viária”, afirma.
O especialista destaca que, embora os recém-habilitados pertençam a um grupo estatisticamente mais vulnerável, os fatores de risco estão mais relacionados à inexperiência ao volante do que ao uso de substâncias. “O condutor novato tem menor habilidade para detectar riscos, tomar decisões rápidas e se ajustar à complexidade das vias. Além disso, subestima perigos, superestima sua própria capacidade e está mais sujeito à influência de pares, especialmente em situações sociais”, explica.
Custo e abrangência
Outro ponto crítico, segundo Dr. David, é o custo da medida. Em 2023, foram emitidas cerca de 2,7 milhões de primeiras habilitações no Brasil. “Com base nesses números, estamos falando de mais de 400 milhões de reais por ano que saem diretamente do bolso dos cidadãos para um exame que não contribui em nada com a segurança viária. Esse valor vai para laboratórios privados e não retorna em políticas públicas, campanhas educativas ou melhoria na formação dos condutores”, critica.
Celso Mariano, especialista em trânsito e diretor do Portal do Trânsito e da Tecnodata Educacional, concorda que o foco do debate deveria estar na fiscalização efetiva. Para ele, o Brasil precisa reforçar o sistema de controle para que leis como a Lei Seca não percam sua eficácia.
“Temos uma legislação rígida, mas ineficaz na prática. A fiscalização é pontual, e as punições raramente são aplicadas. Isso desmoraliza a norma e transmite à sociedade a falsa ideia de que é possível infringir a lei sem consequências”, comenta.
Além disso, Mariano aponta que o modelo atual de exame toxicológico tem limitações: é caro, não cobre todos os condutores e permite que usuários ajustem o consumo para escapar da detecção.
“Num tempo em que o uso recreativo de substâncias tem sido, infelizmente, culturalmente aceito, o toxicológico surge não como ferramenta de fiscalização, mas como política pública de prevenção. Ele nos permite conhecer o perfil de quem busca o direito de dirigir e antever riscos que podem comprometer a segurança de todos”, argumenta.
Coimbra ressalta que o exame tem uma função diferente do drogômetro — que identifica o consumo recente e atua como ferramenta de flagrante. O toxicológico, por sua vez, detecta padrões crônicos de uso, considerados incompatíveis com a responsabilidade de conduzir um veículo.
“É um passo importante, que pode e deve ser ampliado. A aleatoriedade na aplicação do exame dentro do período obrigatório, por exemplo, dificultaria que usuários de drogas se preparassem ou alterassem temporariamente seus hábitos antes do teste, aumentando seu caráter preventivo”, explica.
Para o médico, o ônus financeiro do exame não deveria ser o centro da discussão. Isso porque ele representa uma consequência da ausência histórica de políticas eficazes de combate ao uso de drogas no país.
“A necessidade do toxicológico é fruto da omissão do Estado em ações preventivas, educativas e estruturantes. O exame, nesse contexto, é um instrumento compensatório — imperfeito, mas necessário — diante de uma cultura permissiva em ascensão”, defende.
Fiscalização inteligente e políticas integradas
Todos os especialistas concordam em um ponto: o combate ao uso de álcool e drogas ao volante exige ações coordenadas bem como estratégias integradas. O drogômetro, já em fase de regulamentação no Brasil, aparece como uma ferramenta promissora. Mas, para funcionar de forma efetiva, precisa vir acompanhado de campanhas educativas consistentes, formação de condutores mais qualificada e, principalmente, fiscalização contínua e punições efetivas.
“Mais vale uma lei branda aplicada a todos do que uma lei rigorosa que nunca se aplica”, lembra Celso Mariano, citando Cesare Beccaria.
A inclusão do toxicológico na primeira habilitação, portanto, permanece como um tema controverso. Nesse sentido, ele exige mais do que decisões legislativas: requer uma mudança profunda na forma como o país encara o comportamento de risco no trânsito e na sociedade.
Fonte: Portal do Trânsito | Foto: Vera_Petrunina para Depositphotos
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