Em encontro promovido pela ABAC durante a COP 30, em Belém, lideranças debateram gastos com logística e produção de combustíveis marítimos sustentáveis
Preocupação central no combate às emergências climáticas, a redução das emissões de carbono na atmosfera tem desafiado governos e setor produtivo a encontrar alternativas aos combustíveis fósseis. Nesse cenário, a navegação de cabotagem – transporte de carga de um porto a outro dentro do país – avança como opção mais sustentável do ponto de vista a outro dentro do país – avança como opção mais sustentável do ponto de vista ambiental e econômico, com menos custo e mais eficiência.
A migração do meio rodoviário para a cabotagem como estratégia de descarbonização, a redução de gastos com logística e o potencial do Brasil na produção de combustíveis sustentáveis estiveram em debate no painel “A contribuição do transporte marítimo doméstico para as metas ambientais brasileiras”, realizado em Belém, durante a COP 30, pela Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC), no Espaço Estação do Desenvolvimento, da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
O encontro reuniu especialistas, líderes empresariais, gestores públicos e também moradores da capital paraense, especialmente jovens estudantes. Logo no início do debate, o moderador Luis Fernando Resano, diretor-executivo da ABAC, comentou com a plateia como a cabotagem está presente no cotidiano: “O arroz que vocês comem veio do Rio Grande do Sul para cá de cabotagem, também as motocicletas que vieram da Zona Franca de Manaus e a latinha de água feita de alumínio, que veio de uma bauxita que foi transportada. Cabotagem é o transporte dentro do nosso país, de Manaus para Santos, do Sul para cá, está no dia a dia das pessoas, mas elas não percebem porque não foram elas que contrataram o transporte.”

O moderador do painel, Luis Fernando Resano, diretor- executivo da ABAC: mudança de cultura produziria efeito nas emissões — Foto: Divulgação
O impulsionamento da cabotagem retiraria um número significativo de caminhões das rodovias em viagens de longas distâncias. “A simples mudança na cultura de uso intensivo do modal rodoviário para uma maior utilização da cabotagem já produziria um efeito significativo na redução das emissões, uma vez que o transporte marítimo emite quatro vezes menos CO₂ que o rodoviário, por ser mais eficiente energeticamente. Um único navio pode transportar cerca de três mil contêineres — carga que exigiria o mesmo número de caminhões, cada um com seu próprio motor. O Brasil pode assumir papel de protagonismo ao apostar em combustíveis alternativos, como o biodiesel, desde que seja ‘limpo’ em toda a cadeia produtiva, da plantação da biomassa ao transporte e ao abastecimento dos navios, com emissões reduzidíssimas. O etanol, amplamente utilizado há décadas no modal rodoviário, também pode se tornar uma importante solução para o transporte marítimo”, afirmou Resano.
O diretor-executivo da ABAC destacou que as empresas que operam na cabotagem têm aprimorado continuamente a operação de seus navios com o objetivo de aumentar a eficiência energética e reduzir emissões: “Entre as medidas adotadas estão o uso de tintas especiais que diminuem a resistência ao deslocamento das embarcações, ajustes nos sistemas de propulsão e nas máquinas, além da otimização das velocidades de navegação, de modo a operar no regime mais econômico possível”.
8 mil km de costa
Na primeira apresentação, Otto Bulier, secretário nacional de Hidrovias e Navegação, do Ministério de Portos e Aeroportos, reforçou a prioridade do governo em valorizar o transporte marítimo doméstico e detalhou o BR do Mar, programa criado para estimular o transporte de cargas pela cabotagem ao longo da costa brasileira, que soma quase oito mil quilômetros. Bulier mostrou gráficos que apontam que a cabotagem no Brasil é responsável por apenas 9,3% da carga transportada, enquanto 67% é levada por meio rodoviário.
“É impressionante um país como o nosso, com o tamanho da costa que a gente tem, estar tão distante do potencial que a cabotagem pode oferecer para baratear os produtos transportados e, totalmente alinhado com a agenda da COP 30, promover a descarbonização na nossa matriz logística. Aumentar a cabotagem no Brasil por si só já ajuda a melhorar a nossa meta de diminuir a emissão de carbono por meio de transporte”, afirmou o secretário.
As expectativas do BR do Mar são de reduzir em até R$ 19 bilhões por ano os custos logísticos do país, com a diminuição dos gastos com fretes em 15%. Além disso, a navegação reduz em 80% a emissão de gases do efeito estufa, se comparada ao meio rodoviário. “A cabotagem é a alternativa mais segura, econômica e sustentável e o BR do Mar estimula o crescimento da cabotagem na matriz logística brasileira”, disse Bulier.
O programa traz novas modalidades de afretamento (aluguel) de embarcações, inclusive com possibilidade da vinda de navios estrangeiros, pois o país não tem fabricação suficiente para a demanda interna. Uma nova portaria do governo incentiva a contratação de embarcações sustentáveis do ponto de vista ambiental e social.
“Tem que ter pelo menos dois terços de brasileiros trabalhando dentro da embarcação. É algo bastante moderno inclusive mundialmente, algo novo que a gente está discutindo com o setor, fora questões ambientais. A embarcação que utilizar combustíveis mais sustentáveis ou tiver alta eficiência energética será considerada sustentável”, explicou Bulier.
Matemática das emissões
CEO da Marsalgado Brasil, Cristiane Marsillac destacou os caminhos para a redução da emissão de gases de efeito estufa na cabotagem e mostrou a matemática da comparação com a rodovia: “O transporte marítimo já é a descarbonização do transporte de carga”, afirmou, calculando os impactos de cada modalidade de transporte: “Quando você vem de caminhão, cada tonelada de carga que movimenta por um quilômetro emite 74 gramas de CO₂ equivalente na atmosfera. Você vê saindo no cano de descarga. Quando você traz uma tonelada de carga de navio, emite 14 gramas de CO₂ equivalente por quilômetro. A cada quilômetro você reduziu 60 gramas de CO₂ que estava indo para a atmosfera e ajudando a aquecer a temperatura. Por isso nosso compromisso é achar formas de reduzir a emissão de carbono”, afirmou Cristiane.
Um novo planejamento logístico deve, portanto, partir do primeiro ponto: “é necessário restabelecer o setor marítimo como alternativa para o país”. Ao mesmo tempo, os portos precisam estar mais preparados e eficientes para receber os navios. Um dos desafios é garantir que os navios possam, quando atracados, se conectarem à energia elétrica de terra.
Combustíveis sustentáveis
Em relação aos combustíveis sustentáveis, Cristiane mencionou a posição favorável no Brasil, com produção madura de alternativas como etanol e biodiesel marítimo. “Quando a gente fala de etanol, de biodiesel para os europeus, eles não estão acostumados a entender isso como combustível. Mas aqui a gente tem um programa da década de 70, o Proálcool, tem um programa de produção de biodiesel muito inovador. A gente já tem combustíveis hoje que são produzidos através da agricultura. É importante que sejam produzidos de forma sustentável, não adianta produzir combustível e desmatar”, afirmou.
O Brasil tem potencial para, seguindo as diretrizes da Organização Marítima Internacional (IMO), reduzir drasticamente as emissões de carbono com o uso do biodiesel marítimo e outros combustíveis alternativos. Existem, no entanto, alguns desafios a serem enfrentados, a começar pelo preço, já que as opções sustentáveis são mais caras que o combustível marítimo atual. Uma saída é a geração de créditos a partir do carbono que deixou de ser emitido. “É preciso que a gente comece a precificar o carbono. Se você tem combustível que emite menos carbono, você tem que ter alguma vantagem para compensar. Porque se você coloca combustível mais caro a bordo sem nenhuma compensação, você vai fazer o inverso, o frete marítimo vai ficar mais caro e você vai perder do mar para a rodovia de volta”, alertou Cristiane.
Os debatedores concordaram que planejamento é a chave para um futuro com menos emissões de gases do efeito estufa: desde a migração do meio rodoviário para o marítimo até investimentos em pesquisa e produção de combustíveis alternativos a preço justo, passando por mais eficiência dos portos e avanço do Brasil como protagonista na transição de matriz logísticas. “Existe combustível maduro já para a gente começar a transição, primeiro com biodiesel, depois com etanol, mas precisa equacionar a questão de logística e competitividade desses combustíveis para o armador. Se a gente pensar em descarbonizar o Brasil, a gente tem grande oportunidade, porque a navegação de cabotagem tem um potencial de crescimento muito expressivo. Hoje o Brasil não fomenta sua navegação da cabotagem, o investimento em cabotagem é privado, dos armadores”, destaca Cristiane.
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, tem mencionado a política pública de estímulo à cabotagem e o programa BR do Mar como instrumentos para “utilizar o mar brasileiro, o litoral do país, como um grande corredor de transporte”. “O BR do Mar vai reduzir entre 20% e 60% os custos logísticos do Brasil e é parte de um modal que vai integrar cada vez mais com as nossas rodovias com as nossas ferrovias. Isso dialoga com a agenda da descarbonização, da sustentabilidade com navios verdes, reduz custos logísticos, fazendo com que o Brasil cresça, se desenvolva, mas sobretudo gere emprego e renda para o povo brasileiro”, afirma o ministro.
Fonte: Valor Econômico | Foto: Divulgação

Deixe um comentário