Com o avanço das mudanças climáticas e o prazo cada vez mais curto para países conseguirem cumprir acordos de redução da emissão de GEE (gases do efeito estufa), os créditos de carbono têm ganhado espaço. Mas, afinal, o que são esses créditos e como eles funcionam?
“Créditos de carbono são instrumentos econômicos criados para precificar e reduzir as emissões de GEE”, explica Fabrício Stocker, consultor em sustentabilidade e professor na FGV (Fundação Getúlio Vargas). Eles são gerados por projetos que comprovadamente reduzem ou evitam emissões de carbono na atmosfera.
“Projetos de reflorestamento, energias renováveis, manejo sustentável ou captura de metano em aterros sanitários podem emitir créditos, que podem ser comprados por empresas ou países interessados em compensar suas emissões residuais”, exemplifica Stocker.
Cada crédito corresponde a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) que deixou de ser emitida ou foi removida da atmosfera. Assim, se uma empresa aérea que emite um milhão de toneladas de CO2 comprar um milhão de créditos de projetos certificados de reflorestamento, ela realiza compensação de suas emissões.
“No Brasil, a maioria dos créditos está atrelada a projetos ligados ao uso e ocupação do solo, como preservação de florestas, processos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, além de energias renováveis e agricultura de baixo carbono”, destaca Vinícius Rodrigues, professor e coordenador do Programa Avançado em Sustentabilidade do Insper
A seguir, entenda mais sobre o assunto.
Como surgiram os créditos de carbono?
Os créditos de carbono surgiram como resposta às crescentes preocupações globais com as mudanças climáticas, especialmente após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 — a famosa ECO-92.
Foi a partir da ECO-92 que os países começaram a se reunir anualmente nas chamadas COPs (Conferências das Partes). Na edição da COP de 1997, no Japão, nasceu o Protocolo de Kyoto. Esse acordo internacional estabeleceu metas de redução de emissões para países desenvolvidos e introduziu mecanismos de mercado para facilitar o cumprimento dessas metas, sendo um deles os créditos de carbono.
Quais são os tipos de crédito de carbono?
Existem dois tipos de mercado de crédito de carbono. O regulado, com regras governamentais que estabelecem limites de emissão por setor; e o voluntário, em que empresas e indivíduos compram créditos a fim de cumprir suas próprias metas ambientais.
O mercado de carbono regulado – que mais emite créditos de carbono – é estabelecido por lei e orquestrado pelo Estado, com metas obrigatórias para setores que precisam reduzir emissões, como energia e indústria.
“No Brasil, esse mercado continua em construção, com a recente Lei nº 15.042 de 11 de dezembro de 2024, que regula o setor. Porém, ainda faltam muitos passos para a sua efetiva operacionalização”, ressalta Vinícius Rodrigues, do Insper.
Já o mercado voluntário funciona há anos, no Brasil e no mundo, permitindo que empresas e indivíduos compensem suas emissões de forma espontânea e, como o próprio nome diz, voluntária. “Em geral, esse movimento voluntário por parte de empresas é fruto de preocupações estratégicas, de reputação e de mitigação de riscos”, diz Rodrigues.
Como são gerados os créditos de carbono?
Os créditos são emitidos por projetos que seguem metodologias reconhecidas internacionalmente, como Verra/VCS, Gold Standard, ART-TREES, entre outros.
O processo envolve várias etapas: a elaboração do projeto com base em metodologia aprovada, validação independente por entidades auditoras (third-party validation), monitoramento contínuo dos resultados ambientais, verificação independente (com uma auditoria externa) e registro em plataformas oficiais que evitam dupla contagem.
“Não é qualquer indivíduo ou empresa que pode gerar créditos de carbono: exige rigor técnico e metodológico. No Brasil, já existem centenas de projetos em curso, muitos com participação de comunidades locais e indígenas”, diz Fabrício Stocker, da FGV.
Segundo dados da ICROA (International Carbon Reduction and Offset Alliance, em português, Aliança Internacional para Redução e Compensação de Carbono), apenas 30% dos projetos submetidos no mercado voluntário atingem todos os critérios para emissão de créditos de alta qualidade.
De que maneira é possível adquirir créditos de carbono?
Na prática, os créditos podem ser obtidos de três formas:
Por meio da redução de emissões, ou seja, quando se evita lançar GEE na atmosfera, por exemplo, substituindo uma termelétrica a carvão por energia solar;
Por meio da remoção de emissões, que é quando se captura carbono da atmosfera. Alguns exemplos são iniciativas de reflorestamento e tecnologias de CCS (Carbon Capture and Storage).
E, por NBS (Nature-Based Solutions), projetos de restauração florestal, agricultura de baixo carbono, manejo sustentável de solos e oceanos. “Hoje, cerca de 50% dos créditos emitidos no mercado voluntário vêm de soluções baseadas na natureza (NBS)”, destaca Stocker.
Vinícius Rodrigues, professor do Insper, ressalta que apesar de ser uma prática mais comum a empresas, pessoas físicas também podem comprar créditos de carbono, “para compensar emissões decorrentes de atividades pessoais ou profissionais, como viagens, consumo de energia ou estilo de vida (transporte, moradia, alimentação, vestuário)”, diz.
Os valores dos créditos de carbono variam significativamente a depender do tipo de projeto, origem da certificação e sua qualidade. Rodrigues ressalta que um crédito legítimo e certificado deve estar registrado em padrões internacionalmente reconhecidos, como Verra e Gold Standard, ou outras iniciativas nacionais.
“Cada crédito de carbono gerado possui um identificador que pode ser rastreado em registros públicos, assegurando sua origem e evitando, por exemplo, que ele seja comercializado duas vezes”.
Onde comprar e vender créditos de carbono?
Atualmente, existem dois ambientes de negociação de créditos de carbono. Um é composto pelos mercados regulados e estruturados em blocos, como a União Europeia (EU ETS). Nesse caso, a compra de créditos é obrigatória para empresas que excedem limites de emissões.
Outro ambiente é o mercado voluntário, em que empresas compram de forma espontânea créditos de carbono para cumprir metas ESG ou compromissos de neutralidade climática.
A compra de créditos de carbono pode ser feita em bolsas de valores climáticas (Climate Impact X, AirCarbon Exchange, Xpansiv CBL) ou por contratos bilaterais entre comprador e desenvolvedor de projetos.
Existe diferença entre crédito de carbono e compensação de carbono?
Um crédito de carbono é a unidade padronizada que representa a redução ou remoção de uma tonelada de CO? equivalente (tCO?e) da atmosfera. Ele é gerado a partir de projetos certificados como reflorestamento, energia renovável ou captura de metano.
Já a compensação de carbono é o ato de usar esses créditos para neutralizar as emissões de uma atividade, empresa ou indivíduo, de modo que a organização primeiro quantifica suas emissões, busca reduzi-las internamente, e, depois, utiliza créditos para equilibrar o que não conseguiu eliminar.
Ou seja, o crédito é o instrumento, enquanto a compensação é a estratégia de neutralização. “O ponto crítico é que compensação não pode substituir a redução real das emissões na origem. Ela deve ser complementar, usada para neutralizar emissões residuais em setores de difícil abatimento, como aviação, siderurgia e cimento”, aponta Stocker.
Como saber se um crédito de carbono é legítimo e não ‘greenwashing’?
Um dos pontos que requer mais atenção na hora de comprar créditos de carbono é discernir se ele é legítimo ou “greenwashing” – em português, “pintando de verde” ou “maquiagem verde”.
Greenwashing consiste em uma estratégia de marketing ilusória na qual empresas promovem seus créditos de carbono alegando neutralidade, sem efetivamente reduzir emissões.
Fabrício Stocker, professor da FGV, aponta que a legitimidade do crédito de carbono depende de quatro critérios centrais:
Adicionalidade: comprovar que a redução não ocorreria sem o projeto.
Mensurabilidade: seguir metodologias robustas com base científica.
Verificação independente: auditorias de terceira parte credenciadas.
Registro transparente: evitar dupla contagem, garantindo rastreabilidade.
Stocker também ressalta que, apesar dos créditos de carbono serem uma alternativa para compensar as emissões de GEE, eles não são uma solução única. “Os créditos de carbono precisam ser parte de uma estratégia abrangente, combinados a políticas públicas, inovação tecnológica e redução direta de emissões”.
Para isso, é necessário uma padronização global dos créditos de carbono. Atualmente, diferentes metodologias e registros dificultam comparabilidade e credibilidade.
“Também é necessário que os projetos possuam uma maior robustez científica. Relatórios recentes questionaram a eficácia de parte dos créditos florestais globais”, ressalta o professor da FGV.
Como os créditos de carbono podem ajudar no combate às mudanças climáticas?
Os créditos de carbono funcionam como um mecanismo de transição, permitindo que setores de difícil descarbonização – como aviação e siderurgia, por exemplo – financiem reduções em outras áreas enquanto avançam em suas próprias tecnologias.
O IPCC estima que o mundo precisa reduzir em 45% as emissões globais até 2030, em relação aos níveis de 2010, para limitar o aquecimento a 1,5°C.
“Além da mitigação climática, muitos projetos geradores de créditos oferecem benefícios socioambientais, como conservação da biodiversidade, geração de renda em comunidades locais e fortalecimento de práticas agrícolas regenerativas”, afirma Fabrício Stocker.
Fonte: Fabrício Stocker, coordenador da graduação em administração da FGV EBAPE e do MBA em ESG da FGV Educação Executiva, pesquisador e consultor em sustentabilidade, ESG e governança corporativa e PhD in Management pela Erasmus University; e Vinicius Picanço Rodrigues, professor e coordenador do Programa Avançado em Sustentabilidade do Insper, Ecoa
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