A descarbonização é um desafio global que exige uma ação coordenada entre países para tentar reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar os efeitos da crise climática.
Nesse cenário, os governos assumem um papel fundamental ao implementar políticas públicas que impulsionam a transição para uma economia de baixo carbono. Entenda mais sobre o assunto:
Como o governo brasileiro promove a descarbonização da economia?
As ações do Brasil para descarbonização ocorrem em âmbito nacional e internacional.
Na esfera nacional, o Plano Clima, que está sendo elaborado desde 2023 e deve ser lançado ainda em 2025, será o guia das ações de enfrentamento à mudança do clima no país até 2035.
Outro instrumento para promover a descarbonização é a política de créditos de carbono, que busca estabelecer um preço para as emissões de CO2 equivalente, incentivando empresas a adotarem estratégias de mitigação.
No Brasil, há ainda a Lei da Transição Energética, que estabelece diretrizes para o setor, e o Marco Legal do Hidrogênio, que define parâmetros para um Plano Nacional do Hidrogênio no país.
Há também as diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética, que orientam a descarbonização da produção de petróleo. Um exemplo bem-sucedido foi a proibição da queima em flare do gás natural no início do desenvolvimento do pré-sal.
Esse compromisso levou a Petrobras e seus parceiros a adotarem a reinjeção de CO2, transformando essa prática em uma estratégia de captura e armazenamento de carbono (CCS). Atualmente, a Petrobras se posiciona como a maior operadora de projetos CCS offshore do mundo.
Além disso, há planos para a descarbonização de setores específicos, como o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) e o Plano Nova Indústria Brasil. O governo federal também promove algumas políticas públicas que visam aumentar o financiamento para projetos de descarbonização, como a Taxonomia Sustentável Brasileira e o EcoInvest.
Também vale destacar as políticas de subsídios para setores com baixas emissões, como é o caso da MOVER para veículos elétricos, ou os subsídios históricos dados à energia eólica, solar e para a indústria de etanol.
Outras medidas envolvem compensações ou remoções de carbono, que incentivam o plantio de árvores em áreas de nova vegetação, ou mecanismos de remoção de carbono da atmosfera e sua mineralização e armazenamento dentro da terra.
Em âmbito internacional, o mais importante é a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), um instrumento que registra os compromissos assumidos por cada país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e para atingir as metas do Acordo de Paris.
As novas NDCs precisavam ser submetidas à ONU até fevereiro de 2025, mas o Brasil publicou sua NDC em novembro de 2024.
De que forma o setor privado e a sociedade civil podem contribuir?
De forma geral, a sociedade civil e o setor privado podem atuar de duas formas principais: de maneira ativa e reativa.
Atitudes reativas são aquelas em que agentes econômicos respondem aos marcos legais e aos instrumentos econômicos criados pelo governo. Ao serem estabelecidas regras para contratação de tecnologias específicas, por exemplo, os investidores avaliam as oportunidades e fazem aportes conforme as condições do mercado.
Já na conduta ativa diversos grupos de interesse tentam influenciar diretamente as políticas públicas, seja por meio de lobby ou por meio de articulações no Congresso.
Existem também organizações e instituições que compartilham valores e interesses com agentes governamentais e, por meio dessa afinidade, moldam discursos e posicionamentos políticos.
Um exemplo dessa disputa pode ser visto no debate sobre a exploração de petróleo na margem equatorial brasileira. O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, apoiados por grupos ambientalistas, defendem restrições à exploração, enquanto o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras argumentam a favor.
O embate de interesses ocorre dentro do próprio governo e é constantemente influenciado por pressões externas da sociedade civil e do setor privado.
Além disso, as empresas e a sociedade civil podem participar do processo de criação dos planos climáticos brasileiros, como, por exemplo, ocorreu em parte da elaboração do Plano Clima.
De 5 de junho a 17 de setembro de 2024, o plano recebeu contribuições dos cidadãos pela plataforma Brasil Participativo. O processo digital recebeu quase 1.300 propostas, sendo que as mais votadas foram analisadas pelo governo federal, segundo informações no site do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Somado a isso, o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) está criando coalizões e espaços para que os setores público e privado possam dialogar e entender a perspectiva futura de descarbonização dentro do Plano Clima.
Como os governos incentivam a adoção de tecnologias limpas?
Ao criar mecanismos que penalizam atividades de maior emissão, como mercados de carbono, os governos promovem um incentivo econômico para a adoção de tecnologias limpas e com menos emissões.
Uma outra estratégia são as compras públicas, que podem exigir padrões ambientais rigorosos para bens adquiridos pelo Estado, forçando fornecedores a adequarem seus produtos a normas mais sustentáveis.
No setor regulado, como o elétrico, é possível influenciar a direção do mercado por meio de regras para contratação de novas fontes de energia.
Outro mecanismo importante são as cláusulas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, obrigatórias nos setores de petróleo e eletricidade.
Criadas nos anos 1990, essas cláusulas exigem que concessionárias invistam uma parcela de seus lucros em projetos de inovação. O RCGI (Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa), da USP, é um exemplo de centro de pesquisa financiado por esses recursos, focado em tecnologias para mitigação de CO2 e transição energética.
Como a cooperação internacional contribui para enfrentar a crise climática?
A cooperação internacional é vital para que os países consigam estabelecer prioridades no combate à crise climática e criar bases técnicas e promover fluxos e incentivos financeiros para a descarbonização.
Sem ações coordenadas entre países, os esforços individuais são insuficientes e o processo de descarbonização pode ser adiado por décadas.
O Acordo de Paris é um exemplo de iniciativa global que busca a cooperação entre nações. No entanto, sua implementação tem enfrentado dificuldades, ainda falta muito a ser feito tanto em termos da diminuição efetiva das emissões de gases de efeito estufa, que continuam a crescer, quanto em termos de financiamento, já que o dinheiro disponível para adaptação e mitigação é muito aquém do que a ciência estabelece como necessário para combater as causas e efeitos da crise climática.
Além disso, a reeleição de Donald Trump tende a reduzir os investimentos dos EUA em tecnologias limpas e dificultar transações e acordos internacionais voltados à mitigação das mudanças climáticas. Caso a globalização perca a força nesse tema, os avanços na luta contra a crise climática podem ser dificultados.
Quais os desafios para implementar políticas públicas de descarbonização?
Um dos principais desafios para a implementação dessas políticas é econômico. Desde a pandemia, os países vêm enfrentando dificuldades financeiras, com déficits elevados e altos índices de endividamento.
Isso reduz a capacidade dos governos de investir diretamente na transição energética e faz com que empresas priorizem a sobrevivência de curto prazo em vez de mudanças estruturais a longo prazo.
Tecnologias que precisam de subsídios, como o hidrogênio verde, enfrentam um ambiente econômico desfavorável e podem ter seu desenvolvimento postergado.
Além disso, existe uma lacuna entre o que foi prometido nas últimas COPs, nas últimas NDCs e o que foi de fato implementado pelos países.
Para diminuir esta distância entre discurso e prática, a próxima COP, em Belém, deve focar em meios de implementação.
No Brasil, o governo vem criando políticas públicas para diminuir o desmatamento, as emissões dos setores de agropecuária, energia e indústria, e aumentando os mecanismos financeiros para a ação climática dentro do setor público e privado.
O CEBDS está elaborando um documento em que apontará como o setor privado pode ajudar na implementação das metas climáticas presentes na NDC brasileira e como o governo pode estimular a participação das empresas nacionais.
Como o Brasil se compara a outros países nas ações para reduzir emissões?
O Brasil se destaca mundialmente devido à sua abundância de recursos naturais, que historicamente favoreceram o desenvolvimento de energias renováveis.
Mesmo antes da pauta climática ganhar força, o país já possuía uma matriz energética mais limpa do que a média global, com grande participação da hidroeletricidade e dos biocombustíveis.
Um exemplo é a indústria do etanol, que começou com o Proálcool por questões energéticas e, posteriormente, passou a ser vista como uma solução para a descarbonização do setor de transportes.
Uma outra particularidade é o fato de a maior parte das emissões brasileiras vir do desmatamento, das mudança do uso da terra, enquanto o resto do mundo tem suas emissões oriundas do setor de energia.
Essa singularidade torna a descarbonização comparativamente mais fácil, bastando investir na redução do desmatamento para que as emissões nacionais sejam drasticamente diminuídas até chegar novamente ao menor nível de emissões da história recente brasileira, atingido em 2011.
No entanto, vale ressaltar que o Brasil tem ficado para trás no desenvolvimento de novas tecnologias.
A produção de painéis solares, por exemplo, é dominada pela China, e há poucas perspectivas de que o país consiga competir nesse mercado. O mesmo pode ocorrer com o hidrogênio verde, caso o Brasil não consiga transformar sua base de conhecimento em uma indústria competitiva.
Enquanto a China investe de forma massiva e organizada em novas tecnologias, o Brasil enfrenta desafios para transformar suas vantagens naturais em liderança tecnológica e industrial.
Fonte: Edmilson Moutinho dos Santos, professor de Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e diretor do programa Advocacy do RCGI (Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa) da USP; João Leal, gestor da Plataforma Net Zero, uma iniciativa pioneira do CEBDS, que busca unir o setor privado em uma colaboração estratégica para acelerar a implementação de processos de descarbonização em todas as esferas
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